sexta-feira, 21 de dezembro de 2007


As Evas

Hoje me sinto um pouco Eva
Despida de tudo
Dos preconceitos, das virtudes,
Um tanto perdida!
Um paraíso, um manancial e rochas.
As folhas, pra quê?
Não sei por onde ele anda.
O tal, Adão.
Que papel ele tem nessa história?
Qual é o lugar que ele ocupa?
Sinto-me nua e vestida.
Nua de esperança no ser humano
Vestida de medo deles.
Arrastando-me pelo jardim
E encolhendo a mão, pra não colher o fruto.
Que ele me oferece.
Beijo as pedras para não tocá-lo.
Salivando a sede de amar
Bebendo o néctar amargo em taça de ouro branco
O veneno oferecido aos anjos
Mas onde está ele para tirar-me a taça?
Antes fingira para não ver o mensageiro
E ocultou-se atrás dos montes
E olha de longe a toca do lobo
Que o afugenta.
E eu Eva, paro, olho e vejo.
Tudo é só um deserto.
Coberto por um negro céu.
Prenúncio de uma tempestade
Com chuvas fortes e ventania.
Pra levar as folhas secas das árvores.
Que aqui outrora viviam.
Quantas de nós, pobres Evas perdidas.
Por eles esquecidas.
Evas, Cains, Abéis, todos presos na torre de Babel.
Num soneto angelical, pedimos a Deus.
Que nos mande um tempo novo,
Que leve daqui o lobo.
E faça acontecer em dobro.
A paz dos édens esquecidos.
Por eles que são maridos autônomos e livres.
Por tantos pássaros admirados!-
Deixando pelos cantos, as tantas Evas.
Sofridas e caladas.
Por ele a escolhida e rejeitada.
As Evas nuas ainda hoje.
A mulher despida,
A escolhida e ignorada.
Lili Ribeiro

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007



Alagados

Alagados, moradores beira rios.
Todos sonham com o dia
Que não precisarão ficar ali
Pedras, porcos e ratos, entram casa adentro.
E ela sobe aos poucos, ou bem depressa.
Disso depende o tempo e o volume das águas.
Sempre!
O céu cinzento traz novo desalento
A essa gente que vê suas vidas transformadas num momento
Parece absurdo, mas uma tempestade vem e outra também.
Não há invento nem tempo
Que apresente algo novo a esse povo
Que sofre as amarguras e os desalentos
De perder seus bens e seus entes
Que antes eram
Gente!
E hoje, muitos deles, já não têm nem mais identidade.
Um povo que supera a cada dia
Suas mazelas, num desespero inerente.
E a busca constante de sobreviver aos ataques
Que a vida os obriga a enfrentar
A cada dia,
Que se passa as margens dos rios, e da sociedade.
Mais uma eleição vem e com ela é servida mais uma porção de ilusão
De não mais passar fome e nem sofrer com tantas doenças
Inocentes, acreditam no novo tempo.
E entregam a sua única força ao mais vil vilão.
Seu voto inocente, até mesmo,
Por alguns dentes.
Mas é somente por poucos dias e logo a esperança se vai.
Nas novas torrentes que os assombra novamente.
Nada muda, mais um político se elege.
E nada de novo realmente acontece.

Lili Ribeiro


Os fedaputas

Estava chegando a minha casa por volta das vinte e duas horas, a rua estava, como sempre, bem movimentada e eu muito apressada.
Enquanto procurava pela chave em minha bolsa observava com certa atenção a três crianças bem carentes que moram, praticamente, na rua. Eram dois meninos e uma menina, ela parecia ainda não ter completado os quatro anos de idade, os meninos aparentavam ter de seis a sete anos aproximadamente. Eles arrastavam a menina pela rua, enquanto ela chorava e falava:- Fedaputa, me solta! E quanto mais eles a arrastavam, mais ela reclamava. Não pude conter-me e comovida, tentei um diálogo com eles e disse:- Faz isso com ela não, ela é tão linda! Nesse mesmo instante eles a soltaram, mas ela insistiu chorando alto e gritando:- Fedaputa, fedaputa!
Foi ai que me aproximei e disse a ela:- Fala assim não, você é tão bonita! Ela gritava comigo e dizia:- Mas você é feia, você é feia! E eu disse:- Eu sei que sou feia, mas e daí? Você é linda, muito bonita mesmo!
Ainda com seu rostinho coberto por lágrimas ela sorriu meio sem jeito e perguntou:- Eu sou? E continuei falando:- Claro que é. Você é muito bonita mesmo! Ela respirou fundo. Fez um olhar de menina dengosa e disse:- É eu sou bonita! Os meninos continuavam ali parados olhando o desfecho da história e vendo-a sorrir, sorriram dócilmente. Ela saiu meio faceira falando baixinho:- Eu sou bonita! Eu sou bonita! E eles foram embora com ela já bem mais calmos. Senti meu coração um pouco mais leve, mas deu um nó na garganta e muita vontade de levá-la pra casa. Já havia esquecido a tal pressa e fiquei a olhar a rua. Lembrei de uma menina que há alguns anos passados estava sentada na porta de um bar com suas duas irmãs, já se aproximava da meia noite e era natal.
Seus olhos perdiam-se no céu olhando os fogos, pois eles eram de graça e também era apenas o que elas tinham de natal. Hoje a mais velha delas trabalha numa casa de prostituição já faz algum tempo. Á ceia de natal que levei pra elas naquela noite, não foi o bastante, eu poderia ter feito mais e não fiz. Neste momento estou pensando em fazer alguma coisa pela menina linda de hoje, mas ainda não sei o que farei. De uma coisa tenho certeza, não posso esperar muito. Elas crescem depressa demais e sempre haverá uma vaga nessas casas e pessoas dispostas a pagar barato por serviços tão difíceis.

“E pensar que sou obrigada a votar nesses fedaputas.”

Lili ribeiro


Hora de partir

Não suporto mais ferir-te
Nem a ti nem a mim
Essa indecisão
Não saber se irás ou não.

É sua, é minha a
Imprudência.
Pobre de nós que sabemos,
E não queremos;
Tomar a decisão.

Vidas que não voltam
Paradas e perdidas.
Num conflito e inércia,
Pra não sofrer.

Adiamos a hora final.
Eis aí a questão,
Deixar-te ou não.
Por que sofrer por ti?

Sei
Que perder-te é ganhar-me
Para que eu me veja.
Pois não mais sou eu mesma.
Tu dizes que és, mas não és.

Triste é a espera da partida
A minha ou a sua
Não sei.
Já não somos nós.

Por que juntos, já não somos um.
E os dias passam, viram semanas.
Elas viram meses, e eles,
Viram anos

E nós aqui estamos ainda pensando.
Se iremos ou não
Sabemos que um dia diremos adeus

Um adeus que já foi dito antes,
Bem antes dos anos,
Que continuam se passando.

Lili Ribeiro

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007





Negra Forte

Numa noite fria de inverno cortante
Em uma tapera deserta.
Com ventos de todos os lados
Invadindo todas as frestas, o frio cortava.
A pele negra da jovem solitária
Que tirou a talha do chão e a colocou sobre a mesa
Encheu a caneca de barro com água e bebeu.
Seu corpo franzino estava frágil.
Depois de mais um dia de muito trabalho
Sentou na cadeira de palha e sonhou
Com o dia que não mais seria preciso tanto trabalhar
Com o dia que seu trabalho enfim seria reconhecido
E não mais explorado por pessoas
Que a tinham como objeto de uso pessoal.
A noite era fria,
Mas era sua, para o seu descanso e repouso.
Até que surgisse o sol para acordá-la,
Pra ordenhar as vacas
E levar o leite fresco para sustentar os filhos de seu senhor e sua Ama;
Para que crescessem sadios e imponentes
E fossem também, Senhores de seus escravos na terra de um povo;
Que ainda sonhava com a liberdade!

Lili Ribeiro
31/05/07